sábado, 30 de março de 2013

"Das Wachsfigurenkabinett" (a.k.a. Wax Works), Paul Leni
e Leo Birinsky (1924)
 

Esta produção expressionista da Neptuno divide-se em vários capítulos. A primeira história é a do sultão Harun al Raschid, a mais extensa das três que compõem este filme, e que é uma mescla de tragicomédia, horror e fantasia à semelhança de qualquer conto das Mil e Uma Noites. Emil Jannings é o sultão Raschid. A segunda história fala-nos de Ivan, o Terrível, e da tragédia e loucura encarnada por aquele czar. Ivan é interpretado por Conrad Veidt (o Cesare de Caligari. A parte dedicada a Jack, o estripador, na realidade não é uma história narrada, mas sim um breve sonho dum jovem escritor, sendo a mais curta de todos os capítulos. Werner Krauss (o Dr. Caligari) é Jack Jack, o estripador. Ao que parece, Paul Leni tinha a intenção de completar o filme com um quarto episódio, que acabou por não se concretizar devido ao baixo custo da produção.

Uma curiosidade neste "Das Wachsfigurenkabinett" decorre do facto de William Dieterle interpretar três papéis: o entusiasta e imaginativo escritor; o padeiro na história do sultão; e um príncipe da corte de Ivan. William Dieterle seria um reconhecido realizador nos Estados Unidos (realizou, por exemplo, a versão de "The Huntchback of Notre Dame" com Charles Laughton em 1936).
 

Apesar do virtuosismo de Paul Leni, "Das Wachsfigurenkabinett" acaba por não nos trazer nada de novo que Robert Wiene e Fritz Lang já não nos haviam dado a conhecer dentro da rica estética Expressionista alemã. Brilhante apesar de não plenamente lograda, sarcástica e terrível em alguns momentos, vanguardista noutros, o filme de Leni é uma proposta tão original em si mesma como devedora de várias referências cinematográficas.


"Greed", Erich von Stroheim (1924)
 

Comecemos pela história desta obra-prima absoluta do Cinema. Após trabalhar durante algum tempo como aprendiz de um dentista itinerante, Mc Teague, ainda um jovem, estabelece-se em San Francisco. Ali conhece o veterinário Marcus Schouler e enamora-se de Trina, a prima deste. Cavalheirosamente, Marcus deixa o caminho livre ao seu amigo, contudo começa a sentir-se zeloso quando Trina ganha cinco mil dólares na lotaria. Uma vez que McTeague e Trina se casam, o dinheiro converte-se na obsessão central das suas vidas. Marcus arruina McTeague, ao desvendar que exerce sem licença. McTeague, desesperado, refugia-se no alcool e começa a comportar-se violentamente com Trina, que acabará por abandonar. Quando mais tarde regressa para assasiná-la e apoderar-se do seu dinheiro, o que consuma, Marcus persegue-o até ao Vale da Morte, onde ambos morrerão debaixo do sol abrasador do deserto.
 
O filme mostra a avareza como uma enfermidade, que leva a acumular riquezas até ao extremo de privar-se do mais imprescindivel. O avaro é um ser vil e perverso que destrói a sua própria vida e a dos que o rodeiam. Erich von Stroheim realiza com "Greed" um retrato impressionante sobre a avareza do ser humano, uma obra épica e irrepetível da história do Cinema,  que é tão actual hoje como o foi no pasado recente e longínquo.
 
Desde o ponto de vista técnico e da linguagem cinematográfica "Greed" é magnífico. A montagem, as mudanças de planos, os movimentos de câmara, o uso de picados e contrapicados, as interpretações, a iluminação (muitas das sequências foram rodadas em cenários naturais ou em interiores reais de casas de San Francisco). Todo está magnificamente resolvido por um realizador que pôs toda a sua ambição na realização de uma obra-prima do Cinema.
 
 
Stroheim mostra em diferentes sequências o lado mais animal do ser humano, o egoismo e muitas actitudes que evidenciam uma construcção simbólica, como por exemplo a da violação, que ocorre quando Trina está debaixo do efeitos da anestesia na cadeira do dentista e Mc Teague deseja aproveitar-se sexualmente da virginal paciente. O próprio aspecto de Virgem Maria que oferece Trina, com a toalha a rodear a cabeça, é o que evita que o dentista consume o imenso desejo que o conquista. Outra cena chave ocorre na noite de núpcias, com Trina terrivelmente assustada por deitar-se a sós com o seu recém marido, que não deixa de ser um estranho. Apesar dessa estranheza, Mc Teague mostra-se insensvel ante a angustia da sua mulher e limita-se a fechar a cortina para não nos deixar ver a saciar o seu desejo. A sua forma de andar e mover-se recorda-nos a de um animal sem piedade perante a vítima.

"Greed" é um filme épico, uma obra-prima da qual nunca saberemos a verdadeira dimensão devido à mutilação que sofreu por parte dos produtores de Hollywood. A montagem que nos chegou de duas horas, estará seguramente muito longe das oito horas mínimas que Stroheim projectou de um total de cerca de 96 horas de material filmado.  "Greed" não teve êxito comercial no seu tempo, mas a grandeza da sua arte acabou por colocá-lo no panteão do Cinema e, sem dúvida, "Greed" é uma história tão actual como a própria miséria humana.


"Die Finanzen des Großherzogs" (a.k.a. Finances of the Grand Duke),
F.W. Murnau (1924)
 

O genial realizador alemão realizou com este "Die Finanzen des Großherzogs" um filme atípico dentro da sua densa filmografia, na medida em que se trata de um registo de desenfreadas aventuras, a partir de um argumento de Thea Von Harbou, actriz, escritora e mulher de Fritz Lang.
 
"Die Finanzen des Großherzogs" é uma rara avis na sua filmografia, um cineasta que foi pioneiro no maravilhoso estilo Expressionista com obras como "Nosferatu" ou "Faust", aqui deixa-se conduzir por um puro entretenimento bastante datado, que se fica por um simpático produto, com um argumento bastante pueril, com personagens planas, sem poder empático, onde tudo se sucede de modo monocórdico. Nesta medida, "Die Finanzen des Großherzogs" é essencilamnete recomendável aos antropólogos do Cinema e aos sociólogos que através do Cinema conseguem perscrutar o que a sociedade pensava na época. 
 
O filme baseia-se numa novela do escritor sueco Frank Heller, que nos conta a aventura de um Gran Duque, último herdeiro da coroa do ducado de Abacco (uma pequena ilha apenas um pouco maior do que o planeta onde habitava o Principezinho) e que agora se encontra com graves dívidas económicas. Semjon Marcowitz, o credor (judeu), aparece ávido de cobrar o seu dinheiro sob pena de se apropriar da ilha. É então que entra em cena a Gran Duquesa Olga, como uma ajuda divina.

Um dos interesses maiores deste "Die Finanzen des Großherzogs" é vermos Max Schreck, o Conde Orlock de "Nosferatu", num outro registo, ainda que igualmente pérfido, como um dos conspiradores para se apropriar da ilha do Gran Duque.

sexta-feira, 29 de março de 2013

"Aelita", Yakov Protazanov  (1924)
 

"Aelita" é o primeiro filme de ficção científica realizado na União Soviética, realizada por Yakov Protazanov dois anos depois da publicação do livro em que se baseou, com o mesmo título, obra do sobrinho de Leon Tolstoi, Lev. A novela, um cruzamento entre "A Máquina do Tempo" e "O Manifesto Comunista", é uma das obras mais importantes para o desenvolvimento da ficção científica no séc. XX.

O filme conta a história do engenheiro Loss e do revolucionário Gúsev, que, depois de receberem uns supostos sinais de rádio de Marte, viajam para aquele planeta e confrontam-se com uma civilização semi-desenvolvida e debaixo do reinado de Aelita. Como história de aventuras comparável com os clássicos de Julio Verne, a obra de Tolstói/Protazanov consegue mesclar superstição e teoria social, o futuro, a viagem interplanetária e a luta de classes. Ou seja, o filme mescla elementos de ficção científica com elementos revolucionários, intercalando a ficção científica com o relato da vida na nova Rússia revolucionária, onde os trabalhadores são parte activa do poder e da cultura. Também em Marte, como projecção da própria história revolucionária, a luta dos trabalhadores tenta aproveitar para instaurar outra nova ditadura da classe dirigente, numa clara referência a Kerensky e ao seu governo reformista.

De facto, em "Aelita" a sociedade marciana é uma metáfora do capitalismo, governada por um grupo de anciãos, onde a chamada rainha Aelita, não tem real poder para governar. Os trabalhadores vivem fechados em subterrâneos frios,  uma vez que a informação, os recursos e o acesso à tecnologia estão fortemente controlados.
 
 
A  novela e o filme mostram as contradições que enfrentam a nova sociedade revolucionária, e deixa uma mensagem de alerta contra o aventureirismo e o idealismo. A moral final é que os indivíduos têm de deixar os seus sonhos idealistas num plano secundário e devem-se concentrar na Sociedade Socialista e democrática. Portanto, um filme engajado com o seu tempo e local de realização.

Apesar deste engajamento, quase noventa anos depois da sua criação, "Aelita" mantém-se na lista das principais jóias do cinema de ficção científica.

sábado, 2 de março de 2013

"The Iron Horse", John Ford (1924)
 

"The Iron Horse" trata-se de um dos filmes mais conhecidos da filmografia muda de John Ford. Um filme épico que não estava previsto sê-lo, pois pretendia-se filmar um singelo conto sensível, mas que as condições de rodagem e a arte de Ford impuseram pouco a pouco uma maior ambição à produção.

E é na conquista da fronteira selvagem que Ford se sente como peixe na água, imortalizando os feitos e as personagens que construíram os Estados Unidos e esculpindo na nossa retina os lugares por onde andaram aqueles homens. Se bem que não foi o único fazê-lo, não há dúvida que foi o melhor.
 
"The Iron Horse" trata da saga da construção da primeira linha férrea transcontinental dos Estados Unidos e foi o primeiro grande filme de John Ford, que até então havia rodado cerca de cinquenta filmes de série B, que não alcançavam a hora de duração, e foi o segundo filme em que deixara de ser Jack Ford. Mas mais do que tudo, "The Iron Horse" é o primeiro "western" de Ford, onde este aglutinou praticamente todos os arquétipos do género: os ataques dos indíos defendidos em círculo pelas caravanas dos pioneiros, a condução de grandes manadas de gado pelas pradarias, as lutas nos saloons, as prostitutas alegres chamadas Ruby, o telégrafo, os trabalhadores do caminho de ferro chineses e um largo etecétera.

Este é também um filme onde se destacam mais os seus secundários que os próprios protagonistas, salvo claro está George O'Brien, um habitual do realizador por aquela época, pondo Ford um maior carinho no retratar das personagens de segunda fila, os trabalhadores. Aliás, "The Iron Horse" tem uma pequena homenagem aos imigrantes, como os pais de Ford,  que trabalharam duramente para ganhar a vida. O realizador mostra a camaradagem entre os trabalhadores, mas também as tensões entre ls distintas nacionalidades. Para além de todos destacam-se três personagens irlandeses, que representam a quintaesência do secundário fordiano: o simpático bêbedo irlandês, que serve como contraponto humorístico ao drama da narração principal.



"The Iron Horse" impressionou muitos dos espectadores da época, na medida em que quase todos os norte-americanos têm familiares que trabalharam na construção do caminho de ferro. Nessa medida "The Iron Horse" foi uma espécie de documentário.

 
O filme de Ford foi também uma mega produção, que empregou mais de seis mil pessoas, tendo sido construídas duas cidades para os acomodar, tendo sido a resposta da Fox ao filme da Paramount "The Covered Wagon" (1923), que havia sido um enorme sucesso de bilheteira. Tal como acabou por acontecer com "The Iron Horse", que se tornou um dos maiores sucessos da Fox na era do Cinema mudo: foram gastos 250 mil dólares na produção, obtendo-se uma receita de mais de dois milhões de dólares.