sábado, 29 de dezembro de 2012

"Our Hospitality", John G. Blystone e Buster Keaton (1923)
 

Este é o filme dos Keaton, na medida em que conta com três gerações da família: Joe Keaton, o pai, Buster Keaton, seu filho, e o filho deste último com apenas quinze meses de vida, para além da própria mulher de Buster, Natalie Talmadge, que, aquando das filmagens, estava grávida do segundo filho. "Our Hospitality" é um filme divertido, onde tudo é directo e funcional.


"Our Hospitality" pega num tema caro a Shakespeare, a rivalidade entre duas familias, com Keaton a constroir uma comédia de costumes sulistas à volta dos clãs Canfields e McKays. Buster interpreta o jovem Willie McKay que regressa à sua cidade natal após a morte do pai, envolvendo-se com Virginia Canfield (Natalie Talmadge) filha de Joseph Canfield (Joe Roberts) patriarca da família Canfield. O filme envolve uma série de situações extremamente cómicas que sublinham o grande talento de Buster Keaton.
 
 
"Le Brasier Ardent", Ivan Mosjoukine (1923)


"Le Brasier Ardent" é um filme sobre um pesadelo de uma mulher, que está a ser perseguida por um mesmo homem em diferentes disfarces e em diferentes situações. Ao acordar ela percebe que esse homem é o detetive Z, personagem da história que havia lido antes de adormecer.
 
Este filme onírico é o único realizado e interpretado em França pelo mais famoso actor russo da época, Ivan Mosjoukine, o qual com a sua mulher, Nathalie Lissenko, e outros tantos fazem parte de um grupo de actores e cineastas que emigraram para França após a Revolução de 1917.
 
O actor russo é um especialista de expressões faciais, sendo a sua presença no grande ecrã absolutamente enorme. "Le Brasier Ardent" é um filme excitante pela sua criatividade, imaginação e pelos seus efeitos gráficos num notável trabalho de luz. Com essas imagens, Mosjoukine foi capaz de derreter o real e o imaginário, criando um ambiente onírico que muito se aproxima de Murnau. Murnau também é sentido na profundidade das personagens, bem como Benjamin Christensen, pela terrorífica sequência onírica, e Sergei Eisenstein, pelo estudo dos rostos humanos.


"Die Strasse", Karl Grune (1923)


"Die Strasse" é um testemunho directo da crise moral que atravessava a nação alemã no pós-guerra. É a história de um funcionário público que se cansa da sua vida familiar e se sente irresistivelmente atraído pela vida nocturna; seduzido por uma jovem cai numa espiral de atracção pelos lugares mais ambíguos da cidade. O drama decorre numa só noite, na qual o protagonista é acusado de assassinato.

 
No filme Grune toda a temática gira em torno deste indivíduo rebelde, que abandona a segurança da sua casa e segue as suas paixões na rua, mas que no final regressa e se submete às exigências da vida convencional. Tal como na maior parte dos filmes alemães da época a rua (die strasse) representa o apelo do Destino, principalmente à noite, com os seus cantos escuros, onde se mergulha como num abismo com o seu tráfego fulgurante, os seus postes iluminados, os seus sinais luminosos, os faróis dos automóveis, o asfalto brilhante da chuva, as janelas acesas de misteriosas casas, o sorriso das jovens de rosto pintado. A seducão voluptuosa para os pobres coitados que cansados de sua sala de estar e da monotonia de suas vidas, procuram a aventura e a evasão.
 
"The Hunchback of Notre Dame", Wallace Worsley (1923)


"The Hunchback of Notre Dame" de Worleys é a primeira das muitas adaptações cinematográficas do livro de Victor Hugo. E mesmo após tantas versões, e com efeitos especiais e maquilhagens mais sofisticadas dos filmes posteriores, este continua a ser considerado filme de culto, pela marcante actuação de Lon Chaney como Quasimodo e pelo clima gótico criado pela realização.
Este filme foi a jóia da coroa de 1923 da Universal, sendo o filme que mais facturou na história dos filmes mudos da produtora norte-americana, com mais de 3 milhões de dólares a partir de um mega orçamento de 1,25 milhões de dólares. Os grandes cenários que reproduziam a Paris do século XV com perfeição e a impressionante maquilhagem de Lon Chaney são uma mais-valia insofismável.
 
O mito de que Irving Thalberg foi o génio por trás da produção foi descartada quando se descobriu uma série de telegramas e contratos na colecção pessoal de Alfred Grasso, o empresário de Lon Chaney; nesses documentos prova-se que o próprio Chaney não apenas sugeriu a produção do filme, como também colocou-se à disposição para fazer o papel central e sugeriu o realizador. A escolha inicial de Chaney era Frank Borzage e não Wallace Worsley, que havia realizado outros trabalhos com Chaney.
 
"Coeur Fidèle", Jean Epstein (1923)


Teórico do cinema, Jean Epstein, antes mesmo de se dedicar à sua prática, terá uma considerável influência na forma de pensar o mundo e o homem através das imagens dos filmes. Elemento importante de um grupo de Impressionistas franceses – a designada "primeira vanguarda", que inclui teóricos e cineastas como Germaine Dulac, Marcel l`Herbier, Abel Gance e Louis Delluc, Epstein escreveu vários ensaios sobre cinema, tendo colaborado, também, com as revistas Cinéa-Ciné, Les Temps Modernes, Mercure de France, Feuilles Libres, Corymbe, Revue Mondiale e Age Nouveau.
 
"Bonjour Cinéma" (1921) é um dos seus primeiros escritos sobre o Cinema, à data considerado e amplamente debatido como arte de vanguarda por Blaise Cendrars, Germaine Dulac e Louis Delluc, entre outros com quem Epstein privou. É, aliás, por intervenção de Delluc que Epstein é contratado por Jean Benoît-Lévy - produtor e realizador que considera o cinema como um instrumento priveligiado na educação - para rodar uma biografia de Pasteur ("Pasteur", 1922).
 
 
 
Em 1923, um contrato com a Pathé permite-lhe realizar três filmes de ficção: "L`Auberge Rouge", "Coeur Fidèle", "La Belle Nivernaise", e um documentário: "La Montagne Infidèle", que terá originado o ensaio "Le Cinématographe vu de l`Etna" (1926). Ainda em 1923, colabora com Abel Gance durante a rodagem de "La Roue". É o início do trajecto relativamente curto como cineasta, mas sobretudo a oportunidade de, a partir de então, dar forma às suas ideias sobre filosofia, literatura e imagem, através da criação cinematográfica.

Em "Coeur Fidèle", Epstein decidiu filmar uma sensível história de amor e violência para ganhar a confiança de aqueles, bem numerosos, que acreditavam que apenas o melodrama mais linear  podia interessar o grande público, e também com a esperança de criar um melodrama tão despido de todas as convenções que normalmente se atribuiem ao género, tão sombrio, tão simples, que poderia alcançar a nobreza e a excelência da tragédia.
 
"Coeur Fidèle" conta-nos a história de Marie, uma órfã adoptada pelo dono dum bar no porto de Marselha que a explora, e quere escapar do seu trabalho e do seu noivo alcoólico, para fugir com ootro homem, um estivador.


 
"The Covered Wagon", James Cruze (1923)
 

The "Covered Wagon" foi o primeiro "western" épico. Antes dele, os "westerns" protagonizados por Tom Mix e Broncho Billy atraiam multidões e dominavam o mercado, contudo, "The Covered Wagon" foi um divisor de águas, porque levou mais além o género ao conter todos os elementos do faroeste, como tiroteios e ataques de índios, mas tudo foi feito em grande escala. Foram usadas mais de 400 carroças cobertas, autênticas "Conestoga", atravessando rios caudalosos e enfrentando tempestades de neve e o deserto. Foi a celebração do espírito pioneiro da América e tornou-se um enorme sucesso de bilheteria. "The Iron Horse" de John Ford é posterior a este filme de James Cruze.

Os três mil actores/figurinistas passaram mais de três meses no deserto de Utah. Sofreram inundações, tempestades de neve temperaturas negativas e até falta de alimentos. Mais de mil índios participaram das filmagens. São Arapahoes, Bannocks, Shoshones e Crows de Wyoming e Navajos do Arizona. Nove quilómetros quadrados de pradaria foram queimados para que pudessem ser feitas as grandes cenas. As cenas onde 500 carroças atravessavam rios foram feitas com grandes riscos para os homens, cavalos e bois, pois estes tinham literalmente que nadar para não morrer. Nas cenas de caça foram utilizados 500 búfalos, que na época era o maior rebanho de búfalos selvagens existente nos Estados Unidos.

 
"The Covered Wagon" foi o filme mais colossal jamais feito até então e, provavelmente, nada em tão grande escala foi feito depois.
 
"A importância de "The Covered Wagon" é a de ter anunciado alguns dos temas fundamentais do "western", como o do itinerário de uma civilização de colonos que através de uma natureza rebelde procura estabelecer as fundações de um novo mundo e o do conflito do man alone, que, no seio desta comunidade puritana, tenta unicamente pela clareza dos actos, dissipar as sombras caluniosas que sobre ele pesam. Só o cinema americano nos podia cantar os feitos dessa festa grandiosa que, graças à voz sem pausas, de um só fôlego, dos seus mais lídimos aedos, se viria a converter na maior e mais popular do nosso tempo. - João César Monteiro in "O Tempo e o Modo".

"Schatten - Eine nächtliche Halluzination" (a.k.a.Warning Shadow) (1923), Arthur Robison
 

Apesar de pertencer às obras-primas do cinema alemão, "Schatten" tem passado quase despercebido face às (de)mais reconhecidas obras representativas do Expressionismo Alemão. Esse esquecvimento vem desde o tempo da sua estreia, onde os alemães da época devem ter sentido que qualquer percepção do saudável efeito do choque da razão era capaz de resultar num ajustamento aos caminhos da democracia [que se procurava implantar em Weimar]. Num comentário retrospectivo sobre "Schatten", Fritz Arno Wagner, o seu director de fotografia, afirmou: "Só encontrou resposta entre os estetas cinematográficos, não impressionando o público em geral".
"Schatten" decorre durante um jantar, dado por um rico barão e a sua mulher, com a participação de quatro dos seus pretendentes numa mansão do sec. XIX alemão, onde uma sombra salva o casamento, dando a todos os convidados uma visão do que poderia acontecer naquela noite se o barão continuasse com ciúmes e os pretendentes não desistissem dos seus avanços em relação à sua linda mulher.
 
"Salome" (1923), Charles Bryant
 

Todos conhecemos a história bíblica de Salomé, enteada de Herodes, filha de Herodias que (para a consternação do padrasto e deleite da mãe) pediu numa bandeja de prata a cabeça de João Batista como recompensa por ter dançado a “Dança dos sete véus” para Herodes. A partir desta milenar história Oscar Wilde escreveu a sua versão teatral em 1891, publicada em 1893 com ilustrações do magnífico Aubrey Beardsley.


E seriam as ilustrações Beardsley que viriam a inspirar Alla Nazimova neste seu filme de 1923. A realizadora/actriz russa-americana de “vanguarda” interpretou o papel feminino principal de "Salomé" num delírio de "Art-Deco", Ballet Russo, Beardsley e vanguarda. E seria a sua última aventura "hollywoodiana" depois de "Camille" com Valentino. Dois fracassos consecutivos foram o suficiente para acabar com Alla, que só voltaria nos anos 40 como a mãe de Tyrone Power em "Sangue e Areia".Baseado fielmente no texto de Wilde, o filme foi uma espécie de homenagem a Oscar Wilde: todo o elenco era homosexual, o que transformou o filme num acontecimento-escandalo.
 

Mais habituada ao palco do que em frente a uma câmera, Nazimova gesticula e usa toda a expressão corporal e facial aprendida no teatro para desenhar a personalidade maliciosa de Salomé. Charles Bryant, embora fosse um credenciado realizador, teve pouca influência no filme, comandado praticamente por Nazimova e Natacha Rambova (responsável pelos figurinos e cenários). Outro facto curioso é ver Nazimova aos 44 anos interpretar uma Salomé de 16 anos. Em menos de trinta minutos Alla Nazimova encena uma Salomé cheia de luxúria, egoísta e impiedosa nas suas vontades. Cega pela força irreal de seus caprichos, padece na concretização dos mesmos. Os grandes planos do rosto da jovem Salomé, mostram uma aura translúcida da atriz que interpreta numa imersão própria da sua técnica. "Salome" é, definitivamente, um filme de imagens.