domingo, 16 de outubro de 2011

"Nosferatu, eine Symphonie des Grauens" (Nosferatu: A Symphony of Terror), F.W. Murnau (1922)


"Nosferatu" é o clássico maior do Expressionismo alemão e a obra-prima absoluta do mágico F.W. Murnau. Baseado em "Drácula" de Bram Stoker, Murnau não conseguindo os direitos de autor da obra junto da viúva de Stoker, acabou por produzir uma versão independente, cuja narrativa preserva a história original de Stoker.

Aqui, ao invés de Conde Drácula, Nosferatu é Conde Orlok, uma das mais fiéis representações filmicas do vampiro. Alto, esguio, esquálido, com orelhas, nariz e dentes pontiagudos, Murnau consegue representar com sucesso a figura do personagem macabro de Stoker. Na verdade, o horror se transfigura em Nosferatu. É a própria representação (e expressão imagética) do Mal e do estranho sugerido pela figura mítica do vampiro. O conteúdo do Mal exprime-se com vigor na forma de apresentação do personagem. De facto, nunca o cinema de terror conseguiu expressar com tanta fidelidade a dimensão da lenda do vampiro como em Nosferatu, de F.W. Murnau.

O Conde Orlock, é, em si, uma figura estranha e aterrorizante. Não existe em Nosferatu a dissimulação/ocultação da natureza maligna do vampiro. O mal está entre nós e assim se apresenta em corpo, espírito e verdade. De certo modo, o vampiro de Murnau conseguiu ser a síntese estética do Horror que iria abater-se sobre a civilização Ocidental na década seguinte - nos anos 30 ocorreria a ascensão do nazi-fascismo na Alemanha, pre-anunciando o horror da II Guerra Mundial. É o que Arendt considerou a “banalização do Mal”. Nosferatu poderia ser considerado a própria expressão da “banalização do Mal”. Como diz a abertura do filme, "Nosferatu é a palavra que se parece com o som do pássaro da morte da meia-noite".

Nosferatu vive nas sombras e na escuridão. É um ser nocturno, de um mundo das trevas, perdido no passado de uma terra distante (a Transilvânia). A própria narrativa de Nosferatu destaca que o vampiro é uma criatura da noite. "Os fantasmas da noite parecem reviver das sombras do castelo" – diz o narrador de Nosferatu. É na escuridão que está o horror do vampiro. (É interessante que a lenda do vampiro se tenha difundido nos primórdios da sociedade tecnológica, da II Revolução Industrial, onde a invenção da eletricidade – ou da lâmpada elétrica, em 1879 - deu o golpe de misericórdia nos poderes da noite e da escuridão).

Em Nosferatu, é, portanto, muito claro o par antitético luz-escuridão, onde o primeiro significa civilização e progresso, e o segundo, tradição e barbárie (no romance de Stoker está presente uma série de referências às novas invenções da era tecnológica, em contraste com o horror de uma era das trevas personificado na figura de Drácula).

O filme de Murnau altera a temporalidade, e a territorialidade, inscrita no romance clássico original de Stoker. A narrativa de Nosferatu passa-se em 1938, em Wisborg, cidade da atrasada Alemanha feudal. Murnau perde, deste modo, um referencial importante do romance de Stoker, cuja história ocorre em Londres em fins do século XIX, imerso na II Revolução Industrial, a revolução da eletricidade; o pólo mais desenvolvido do mundo Ocidental. Em Stoker é como se Drácula prefigurasse a reação da Tradição e da era das trevas contra a civilização da luz, a civilização do capital, com suas inovações tecnológicas baseadas no espírito do Iluminismo. Mas em "Nosferatu", Orlock é um espírito velhaco, pura representação do Mal, que almeja estabelecer-se em Wisborg, uma pequena cidade de uma Alemanha semi-feudal.

Mas Murnau pega em tudo isto e faz uma obra-prima, com imagens perturbadoras e de tal forma marcantes que perduram na memória para sempre, como seja a entrada de Orlock no quarto em que Hutter dorme, ou momento em que Orlock acorda no porão do navio e a clássica imagem da sua sombra na parede enquanto sobe as escadas. Estas imagens fortes estabeleceram um padrão para o cinema de terror que não mais viria a perder. Outro grande destaque é a sombria banda-sonora, que aumenta o clima macabro e ainda pontua muito bem os momentos tensos do filme.

Mas o grande destaque tem de ir direitinho para a inebriante actuação de Max Schreck como Conde Orlock, que nos dá a impressão de realmente estarmos na presença de um vampiro. O seu olhar penetrante e sua aparência esquálida, aliado à perfeita "mise-en-scène" de Murnau, garantem uma interpretação perturbadora e marcante. E aqui vale a pena citar uma curiosidade. A interpretação de Schreck é tão magnética que após a estreia de "Nosferatu", passou a correr no meio cinematográfico a lenda de que o actor alemão era um verdadeiro vampiro, interpretando-se a si mesmo, o que dá a exacta medida do impacto causado pela sua grande actuação.

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